Como agora estou por aqui, foi por ter sobrevivido às aventuras vividas no Congo.
Valeu
muito como experiencia de vida, pois é vivendo que damos o real valor à
vida...
Ósculos e amplexos,
Marcial
UM BRASILEIRO NA AFRICA (epílogo)
Marcial Salaverry
Nosso grande objetivo, quando decidimos embarcar nessa aventura
africana, era uma tentativa de acertar nossas finanças, seriamente abaladas por
algumas besteiras cometidas, e também por motivos de saúde.
Havíamos previsto ficar pelo menos 10 anos por lá, que julgávamos
seria o necessário para fazer um bom “pé de meia”. Aliás, o objetivo era fazer
os dois pés...
As coisas foram um pouco facilitadas quando comecei a viajar,
pois os ganhos triplicavam, como também eram triplicados os riscos de vida que
corria. Havíamos reduzido em dois anos a previsão de nossa estadia lá. E
poderíamos, talvez, eliminar mais um ou dois anos, tão bem corria
tudo.
Contudo, algo estava para acontecer. A política estava começando
a se modificar, e o tratamento das autoridades para com os estrangeiros começou
a mudar. Sutilmente, mas notava-se que havia algo de podre na Republica
Democrática do Congo, e que não era a
chikwanga...
Em fins de 1970, eles inventaram um novo documento para os
estrangeiros, a famigerada “Carte Jaune”, ou seja, “Cartão Amarelo”, começando
assim a fazer algumas restrições quanto a nossa permanência lá. Por causa desse
documento, muita gente teve que deixar o País. Como eu estava legalmente
empregado, com Contrato de Trabalho em vigor, apenas teria que apresentar um
diploma que justificasse alguma especialização.
Escrevi para minha família, pedindo que enviassem algum Diploma para lá.
E meu sobrinho enviou-me um Diploma de
Especialização em Corte e Costura, emitido pela Singer. E eu virei “Tecnicien en
Couture”. Com algumas gorjetas bem distribuídas, tudo ficou arranjado. E
poderíamos continuar por lá.
Foi quando comecei a viajar pelo interior do Congo. Graças a
esse diploma da Singer, permaneci por lá, e pude então viver todas aquelas
aventuras.
De repente, não mais que de repente, os ares começaram a ficar
pesados. E outras mudanças estavam no ar.
O Presidente Joseph Desiré Mobutu, resolveu cortar todos os
vínculos colonialistas, e começou a mudar o nome de todas as cidades, ruas,
praças, enfim, tudo que tivesse nome estrangeiro, a começar por ele mesmo, que
passou a se chamar Mobutu Sese Seko. A Republique Democratique du Congo, mudou
para Zaire. Comecei a ver as coisas mal
paradas.
A situação estava nesse pé, quando fui para a viagem ao Kivu, e
em Goma, fiz amizade com o Cônsul Geral da França lá, e durante um jantar ele me
confidenciou o que iria acontecer no Congo, perdão, no Zaire, e fiquei
arrepiado com o que ouvi, pois iria
mexer diretamente em nosso bolso, e eventualmente com nossa vida, pois a
segurança iria passar a ser insegurança...
Torna-se
necessária uma pequena explicação, pois segundo meu contrato de trabalho, meu
pagamento era dividido em 75% depositados na Bélgica em francos belgas, e 25% em
dinheiro local, mais que suficiente para nossas despesas, pois tinha toda a
assistência da firma, no que diz respeito a despesas médicas, farmacêuticas,
odontológicas, e também moradia.
Bem, segundo meu amigo Jules, a coisa a partir de 1972 iria mudar
radicalmente. Até Junho de 1972, iriam ser proibidos os depósitos de salários em
contas no exterior, e o salário seria pago integralmente em zaires... Vi
literalmente as coisas ficarem pretas, e resolvi que estava na hora de voltar ao
Brasil. Iria aproveitar que já estava
com direito a férias, e simplesmente diria Adieu Congo, perdão,
Zaire.
Mas havia um problema. Como viria em férias, a firma iria pagar
as passagens de ida e volta, mas se eu me demitisse dizendo que não regressaria,
a viagem seria por minha conta.
Foi aí que mostrei pra eles o que é o “jeitinho brasileiro”.
Vendi o carro, alegando que iria comprar um novo quando voltasse, e deixei o
carro encomendado na concessionária. Quase um mês antes de minha viagem, peguei
todos os objetos que queria trazer, e cuja saída não era permitida, como peças
de marfim e madeira entalhada, enfiei em 8 baús de zinco, chamados de
“mal-en-fer” e levei ao aeroporto para despachar como “bagagem não acompanhada”.
Uma razoável quantidade de zaires foi suficiente para tornar desnecessária a
revista das malas pela alfândega local, e para garantir que seriam embarcadas no
mesmo avião em que eu viajaria, para que chegassem comigo ao Brasil. Os
funcionários da alfândega de Kinshasa ainda estão esperando que eu leve os
sapatos brasileiros que prometi para meu
regresso.
Passei os últimos dias, despedindo-me dos locais, e apenas os
amigos mais chegados é que souberam que não voltaria.
Dei um adeusinho para Chuttes, Ma Valée, Boulengerie du Parc
Hembize, piscina da OUA, e avisei aos crocodilos do Congo que seu jantar
brasileiro ficaria adiado sine die...
Senti um friozinho na barriga, quando fui chamado pela alfândega,
na hora do embarque. O que eles poderiam querer? Foi apenas para me lembrar que
estavam esperando pelos sapatos brasileiros. E eu disse que dentro de dois meses
estaria de volta...
O garboso avião da Panam nos levou a Dacar, com escalas em
Monrovia, Accra e Lagos.
Com essas escalas todas, tentem visualizar a cena. Neyde, Iara,
Alexandre e Marcial, cada qual com três sacolas de mão, precisando carregar tudo
em cada escala, já que nada poderia ficar no avião... As crianças quase sumiam
debaixo das sacolas com seus brinquedos
favoritos...
Em Dacar, ficamos algumas horas esperando a conexão com o avião
da Swissair que nos traria ao Brasil. Consegui acesso ao Depósito de Cargas, e
constatei que meus amigos da alfândega congolesa, perdão, zairoise, haviam
cumprido sua palavra. Lá estavam meus queridos baús, que seguiriam para o Brasil
no mesmo avião.
Quando o avião decolou, dei uma última olhada para a África, e
mentalmente mandei um adeus a todos os amigos que lá havia deixado. Senti um
nozinho na garganta, e meu filho viu aquela lágrima furtiva, e chorou junto.
Havia sido uma bela aventura, foram anos em que pude reavaliar
todos meus conceitos de vida.
Vi que solidariedade é o maior veiculo para se chegar à
felicidade. Vi que mais do que nunca existe Alguém lá em cima que olha por nós.
E como estava pertinho Dele, fechei os olhos, e agradeci por toda ajuda que me
deu lá, e que não foi pouca.
E deixo por conta da imaginação de quem quiser, a emoção que
senti ao sobrevoar o Rio de Janeiro, ao passar pertinho do Cristo Redentor, ao
pisar em território brasileiro, e, suprema glória, tomar um guaraná
gelado...
Assim foi a grande aventura da minha vida. Claro que tive que me
segurar para manter minha decisão de não regressar, pois quando devolvi as
passagens de retorno para a firma em Kinshasa, avisando que não voltaria, por
“questões de saúde”, eles devolveram as passagens, com uma bela gratificação, e
um novo contrato de trabalho em excelentes condições. Ocorre que eles não sabiam
que eu sabia da grande modificação que ia acontecer. Então, fiquei com a
gratificação, e tornei a devolver as passagens e o contrato avisando que minha
decisão infelizmente, era irrevogável.
Pensei que seria capitulo encerrado em minha vida, pois sequer
imaginava que um dia iria escrever minha história
africana.
E agora, sinceramente, lamento não ter feito anotações do que
vivi lá. Tive que buscar no cantinho da memória as lembranças do que lá passei.
UM BRASILEIRO NA ÁFRICA, relata com fidelidade o que vivi num
país que se chamava Congo, mudou para Zaire, e voltou a ser Congo... Como eles
estarão lá?
Caso este livro chegue às mãos de alguém que ainda lá esteja, ou
que lá tenha vivido, e que chegou a conhecer o “Brasileiro do Hasson”, que
receba o abraço que não consegui dar quando resolvi voltar de vez para o Brasil,
com muita saudade, e boas lembranças das aventuras lá vividas. Ao escreve-las,
algumas vezes tive que parar, para deixar que a saudade falasse através de
algumas lágrimas que teimosamente acompanham boas recordações, principalmente os
momentos vividos na convivencia dos amigos portugueses que sempre dedicaram uma
amizade sincera a este brasileiro maluco...
Quem sabe um dia voltarei para rever locais, e talvez alguém que
ainda lá esteja, e enquanto isso não acontece, procuro sempre fazer de cada
dia,UM LINDO DIA, e às minhas queridas amizades, desejo o
mesmo.
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