Todos temos alguns "sonhos impossíveis" vindos de nossa
infancia...
Mas quando algum desses sonhos pode ser realizado,
claro que marca definitivamente nossa vida...
Assim foi a África em minha vida...
Osculos e amplexos,Marcial
Quem nunca teve loucos sonhos em sua infancia?
Não fui exceção, pois sempre tive um certo espírito aventureiro, e desde minha
mais tenra idade, sempre sonhei com incríveis aventuras, quando me via
compartilhando aventuras com os herois dos gibis da época, ora sendo um Tarzan, vivendo na
selva, entre as feras, ora, sendo um Flash Gordon, vivendo num futuro longínquo
(para mim, na época...), ora sendo um Roy Rogers, matando todos os bandidos no velho oeste, sem
esquecer o Fantasma, herói das selvas africanas...
Mas tudo ficava apenas em sonhos, pois na
época não era possível viajar-se como hoje, com uma mochila nas costas e nada no
bolso. Creio ter nascido em época errada, pois,
para levar essa vida aventureira como sonhava, seria preciso ser rico, ou
então ter nascido uns quantos anos depois.
E assim, me deliciava com todos os filmes que
mostravam a África misteriosa e longínqua.
Sabia, contudo, que eram apenas sonhos irrealizáveis, mas os tinha, e
ficaram mantidos no subconsciente.
A vida em si, ia confirmando a realidade que
já vira. E comecei a esquecer dos sonhos, empenhado que estava em cumprir com
minhas obrigações de chefe de família, com esposa e filhos para cuidar e
sustentar. Os sonhos, então, foram arquivados.
O máximo que me permitia em termos de viagem, eram pequenas incursões a
Santos.
Minha mãe fizera uma previsão para mim,
segundo a qual iria fazer uma grande viagem, e assim, quando mudamos de São Paulo para Santos, disse
a ela em tom de gozação, que ela estava certa.
Seria essa minha grande viagem.
Mal sabia o quão exatas foram as previsões que ela fizera...
Com todas as dificuldades que poderia
encontrar, até que gostava da vida que levava
na então pacata Santos, mas nessas brincadeiras do destino, algo aconteceu que faria mudar
tudo, e que possibilitaria a realização do velho sonho. Mudou-se para uma casa
vizinha da nossa, uma família de portugueses, os Paiva, que havia fugido do Congo Belga, por ocasião
das lutas pela independência daquele País, em 1961.
O fato deles terem vindo da África, fez com
que nossa amizade crescesse, pois eram intermináveis nossos papos sobre a vida
no Congo, tão misterioso para mim, e que me despertavam enorme
curiosidade.
Ora, com a normalização da vida no Congo, os
Paiva resolveram voltar para lá, pois já havia condições de vida novamente.
Ficou acesa a luzinha interior, e o sonho começou a ressurgir...
Na época, em 1969, a situação geral do Brasil
não estava muito boa, e a minha situação pessoal, pior ainda. Recebi uma carta do amigo Manuel Paiva,
contando que tudo estava em paz por lá, e que, devido ao êxodo da mão de obra
qualificada quando das revoltas, seria fácil para eu obter boa colocação lá, e
com boas vantagens. Boas vantagens? Bons
ganhos? Possibilidade de independência financeira? Ainda mais a África velha de
guerra? Objeto de meus sonhos infantis?
Conversei longamente com Neyde, minha esposa,
sobre essa aventura. Tão insana quanto
eu, ela “topou a parada”. Decidimos
mandar tudo para o espaço, e, contrariando a opinião de ambas as famílias e
também de todos nossos conhecidos, resolvemos vender tudo que tínhamos aqui, e
embarcar nessa “loucura maluca” (assim a chamavam todos...).
Afinal, partir para o desconhecido, com duas
crianças pequenas, na realidade, poderia ser encarado como maluquice pura.
Insanidade seria pouco. Loucura de verdade.
Teria que viajar sozinho, deixando a família aqui, pois precisaria sondar
o terreno no Congo, para saber se o que
Paiva dissera era verdade.
Pronto, o sonho em vias de ser
realizado... Sequer me atrevia a pensar
sobre o assunto, caso contrário voltaria atrás em minha decisão, tantos eram os
problemas que todos me apontavam. Não tinha o menor conhecimento de como eram as
coisas lá. Tinha conhecimentos apenas
rudimentares do francês. Sequer sabia o
que iria fazer lá.
Só sabia que ia. O que realmente me animava,
era o velho espírito aventureiro que ressurgira com força total, e aquele velho
sonho de conhecer a África de meus ídolos, os longínquos Tarzan, Fantasma,
Nyoka.
Já me imaginava enfrentando leões, elefantes,
hipopótamos, e mal sabia que isso ocorreria realmente, que os veria muito de
perto, que sentiria o cheiro dos bichinhos bem diante de mim.
Chegou o dia do embarque... Despedi-me da
família... Como minha irmã Gloria pediu, fiz a lista de “minhas últimas
vontades”, pois poderia encontrar antropófagos por lá... E os iria encontrar
mesmo...
Enfim, meu velho sonho de infância iria se
realizar. Ao entrar no avião, olhei para minha esposa, que ainda conseguia
segurar as lágrimas, e disse: AFRICA, LÁ VOU EU. PREPARE-SE.
O resto, o resultado dessa "loucura maluca",
poderá ser conferido no livro UM BRASILEIRO NA ÁFRICA, onde conto tudo o que
vivi por lá. Que sobrevivi à "loucura maluca", está provado. Não matei a fome
dos antropófagos, leões, crocodilos e congeneres que encontrei pelo caminho, e
estou podendo ter a cada dia de minha vida, sempre UM LINDO DIA, e assim desejo
a todos que me leem, (e a quem não me lê tambem, afinal cada qual tem seu gosto
e preferências...)
Marcial Salaverry
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