FASCINANTE

16/06/2012

Uma Família Brasileira na África - parte 2


 Bem, após as rápidas pinceladas sobre os saudáveis hábitos alimentares dos congoleses, existem muitas outras particularidades que naturalmente despertam a curiosidade de qualquer pessoa, sobretudo de crianças, como meus filhos, que tudo queriam saber, e sobre tudo perguntavam, e haja paciência para tentar explicar o porque das coisas,  principalmente porque, andando pelas ruas, apontavam para as pessoas, e perguntavam “discretamente”, como faz qualquer criança curiosa:
Olha pai, aqueles dois africanos de mãos dadas... dois homens grandes assim... de mãos dadas na rua ?”. E toca explicar que entre os africanos é comum os homens se abraçarem, se beijarem (também na boca, pai?  Sim, também na boca, para eles é normal), e, principalmente, andarem de mãos dadas.
“Olha pai, o cabelo daquele mulher lá... Que gozado... como elas fazem isso ?”
E toca explicar que aquele penteado esquisito, uma espécie de imitação da Torre de Pisa na cabeça da africana, era feito usando-se uma armação de arame, entrelaçando-se os cabelos devidamente enrolados em estilo “rastafari”... Tentem imaginar...
Olha pai, aquela mulher tá fazendo xixi na rua”... O processo é simples, as congolesas (do povo, lógico) não usavam peças íntimas, e se vestiam, com os panos enrolados em torno do corpo, e então, se sentiam alguma necessidade fisiológica, simplesmente paravam no meio da rua, separavam as pernas, e pronto.  Sem problemas.  Lá não havia necessidade de banheiro público.
Essas eram algumas das curiosidades que pudemos observar, sobre usos e costumes locais.  Existiam outras peculiaridades que serão comentadas posteriormente, à medida das oportunidades.
Vamos falar um pouco da cidade de Kinshasa, “Kin la belle” , como a chamavam os locais.  Pode-se mesmo dizer que realmente, dentro dos padrões africanos, era uma bela cidade,  pelo menos no lado, digamos, europeu da cidade, onde viviam os europeus e alguns dos congoleses endinheirados, tais como políticos (sempre eles), comerciantes, autoridades.  Esse lado poderia ser comparável a qualquer cidade brasileira (claro que cidade de porte médio), com altos edifícios, boas avenidas, tudo asfaltado, um razoável serviço de esgotos, clubes, teatros, escolas, hospitais, enfim, uma cidade normal.  Agora o lado popular, era deprimente, sujeira por todos os lados, esgotos a céu aberto, dificuldades para tudo, principalmente de transporte, que era verdadeiramente calamitoso, haviam poucos ônibus, caindo aos pedaços, superlotados (chega a ser familiar ?  Pois é...).  Esse terrível contraste, sempre deixava as coisas em pé de guerra, sempre havia o perigo de alguma reação violenta, principalmente quando os europeus cruzavam essa imensa favela em seus carros modernos, pois em caso de pane, seria preciso apelar para os santos protetores (todos eles).
Os europeus, por seu lado, além de não se misturarem aos congoleses, também separavam-se entre si.  Os portugueses, belgas, italianos, franceses, americanos (lá eram considerados europeus), indianos, gregos, paquistaneses, e mais quantos surgissem, viviam em círculos fechados.  Cada colônia tinha sua escola, sua igreja, seus locais preferidos para diversão, havia pouca mistura.
Nunca consegui entender essa coisa, pois se todos eram pessoas que estavam longe de suas casas, não seria melhor uma convivência pacífica e normal? uma interligação?  Principalmente se considerarmos que vivíamos sobre um barril de pólvora, que não precisava de muita coisa para explodir.
A situação era tão discriminatória, que eram até determinantes em problemas de coração.  Se, por exemplo, uma garota portuguesa quisesse namorar um rapaz belga, era um Deus nos acuda, a família, os amigos, reagiam de maneira até violenta.  Houve inúmeros casos de violentas brigas em boates, iniciadas com uma inocente paquera entre inconsequentes Romeus e Julietas... Tal desunião sempre custou caro a todos.
Devido diversos fatores, matriculei meus filhos na Escola Portuguesa de Kinshasa.  Além de manter um nível de ensino muito bom, tinha a facilidade da língua, que é quase a mesma, e, vivíamos entre os irmãos portugueses.
Cabe aqui abrir um parágrafo, para falar sobre a gentileza com que fomos recebidos pelos portugueses, chega a ser inacreditável o carinho com que nossos irmãos europeus recebem os brasileiros, principalmente naquelas circunstâncias em que ambos éramos “invasores”, vivendo em território alheio.
Quando perguntava a eles porque não tratavam os outros europeus  da mesma maneira, a resposta era uma só: Ora pois, eles não são brasileiros, pá!.  Realmente, o que nos deu forças para superar os traumas iniciais, foi a forma com que fomos recebidos pelos amigos portugueses.  Quero deixar aqui meu agradecimento, extensivo a todos os portugueses.
Ainda há muita e muita coisa a ser dita, como veremos adiante...


Marcial Salaverry



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