Quantas vezes acontecem
dramas terríveis por faltar algo
tão necessário como um
diálogo, uma conversa para dirimir
dúvidas e
esclarece-las...
Dramas que poderiam ter sido
evitados...
Ósculos e
amplexos
Marcial
Por mera obra do acaso, tive hoje uma melancólica lembrança do passado, ao
cruzar com uma figura triste, com a expressão de quem já desceu quase todos os
degraus da vida, chegando naquele ponto de onde não mais existe volta. Apenas
uma saída. A porta para o Além.
Seu porte, outrora
altaneiro, de moça fina, de família de recursos, estava alquebrado, vencido pela
vida desregrada, pelo uso de drogas, pelo fumo, pelas bebidas... Enfim, o
verdadeiro fim da picada. O quadro desenhado no tango “Esta Noche me
Emborracho”, que diz "Hoje te vi passar, e causou-me pena ver-te nesse estado
triste, toda alquebrada pela vida..."
Não consegui fugir das recordações que
me assaltaram a mente.
E pensar que muito a amei,
chorei ao lembrar os doces momentos que passamos juntos. Como doem essas
recordações. E a busca das explicações, como se para a vida explicações
houvessem. Simplesmente certos fatos acabam acontecendo porque
acontecem.
Éramos namorados. Para a
época, nosso namoro era muito avançado. Não tínhamos limite para nossas
intimidades. E foi essa liberdade, ou melhor, essa liberalidade que causou
tudo, por faltar um diálogo esclarecedor.
E aquele baile de
formatura. Triste baile. Ela queria ir sozinha. Não me queria naquela noite,
depois vim a saber o porquê. Quando descobri, saí a campo para arrumar um
convite. Queria surpreendê-la, e o consegui.
Não esqueço sua expressão de
surpresa quando me viu entrando no salão, impecável em meu smoking alugado.
Sorriu-me. Magoado, fiz que não a vi, e comecei a dançar com outras, fazendo
par constante com uma moça que conhecera lá. Reparei que ela não dançava com
ninguém, e apenas me olhava.
Apenas no fim do baile, empertiguei-me e fui
tirá-la... Ela, olhando tristemente, recusou-me e saiu... Nunca mais a vi...
Fiquei muito ofendido com a recusa, e não a procurei mais.
Depois vim a saber
dos fatos. Ela estava suspeitando estar grávida, e queria conversar com algumas
amigas para ter certeza. Quando soube, uma das amigas disse-lhe que eu não mais
a procurava porque estava sabendo de tudo, e não queria saber mais dela, por
estar grávida. Bela amiga... Desesperada, e com vergonha de encarar seus pais,
fugiu de casa, caiu no mundo, e na vida.
Nunca mais soube dela, e essa mesma
amiga me disse que ela havia fugido com um namorado. Jamais soube o que
realmente aconteceu. E tampouco procurei saber.
Apenas a reconheci naquela
noite, porque sempre a tive em um cantinho da memória. Seus olhos eram
inesquecíveis, bem negros, brilhantes, fogosos. Negros ainda estavam, mas o
brilho, o fogo, completamente apagados. Chorei muito, perdido nas recordações,
e em como podem ser estranhos os rumos de nossa vida. Amamo-nos muito e muito
amamos, porém a vida nos separou, ela seguiu por um rumo, e eu por outro.
Poderia ter sido diferente? Claro, se ela tivesse me dito tudo, ou se eu
tivesse confiado mais, ou mesmo se ambos não tivéssemos sido tão orgulhosos,
cada qual julgando-se magoado, assumindo postura de vítima, e, principalmente,
se aquela amiga não tivesse sido tão “amiga”...
Enfim, coisas da vida, que
nos prega peças as mais loucas possíveis. Seu nome? É lembrança. Lembrança
daquilo que poderia ter sido, daquilo em que se transformou.
Bem crianças,
ouvi esta história em um desses papos de botequim, quando alguém precisa falar,
e alguém gosta de ouvir, para contar depois.
Nomes? Para que? Quantos de nós
conhecemos muitas histórias semelhantes, em que tristes fatos acontecem, em que
vidas podem ser destruídas, apenas porque não houve um melhor entendimento. Em
que as pessoas se deixam levar pelo orgulho, pela vaidade. Quando se prefere
ouvir inverdades, porque a verdade talvez nos incomode.
A história desses
dois poderia ter sido muito diferente. Apenas coisas do destino? Não creio que
se possa atribuir ao destino certas falhas de nossa
personalidade.
Sinceramente, espero que a história de duas almas sofredoras
possa servir como alerta, lembrando que a melhor maneira de se dirimir dúvidas,
é através do diálogo. Conversando é que se entende, ou não... Mas de qualquer
maneira chega-se a melhores conclusões.
Nessa expectativa, vai aqui meu
desejo de UM LINDO
DIA.
Marcial Salaverry
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